Conheça o groupthink, um fenômeno psicológico que afeta a tomada de decisões e a criação de estratégias.

Tempo de leitura: 7 minutos.

Em um artigo sobre finanças comportamentais, comentamos sobre o efeito manada e suas consequências na economia, citando como o ser humano está habituado a seguir tendências estipuladas por outros membros do grupo ao qual pertence.

Esse conceito costuma ser relacionado com outra linha de raciocínio interessante: o groupthink. Uma conexão justificada pelo fato de ambas definições abordarem comportamentos que inibem posicionamentos individualizados dentro de um grupo.

Nesse contexto, vale a pena refletir de maneira mais aprofundada sobre o “pensamento de grupo” para conhecer suas características e compreender como elas influenciam nossas decisões em diversos âmbitos sociais.

Do que se Trata o Groupthink?

O groupthink é um fenômeno psicológico que surge quando grupos coesos colocam o desejo de conformidade e coesão acima da análise individual de alternativas ou pontos de vista. Isso significa, em outras palavras, que a busca por uma decisão rápida que supostamente satisfaça todo o coletivo elimina discussões aprofundadas e argumentos contrários, abrindo espaço para escolhas equivocadas.

Esse termo – que pode ser traduzido como pensamento de grupo ou pensamento coletivo – foi utilizado pela primeira vez pelo psicólogo americano Irving Janis. No entanto, antes dele, outros profissionais discutiam o assunto com o objetivo de entender os sinais de alerta que cercam tal manifestação.

Além de Janis, o francês Gustave Le Bon e o austríaco Sigmund Freud possuem trabalhos proeminentes nesse campo de estudo. Inclusive, o último foi responsável por levantar questionamentos significativos a partir de textos anteriores. O mais relevante é: o que seria um grupo?

Na introdução do livro Psicologia das massas e análise do eu, publicado originalmente em 1921, o próprio Freud explica que “a psicologia das massas trata do indivíduo como membro de uma tribo, um povo, uma casta, uma classe, uma instituição ou como elemento de um grupo de pessoas que, em certo momento e com uma finalidade determinada, se organiza numa massa” (2017, p. 36-37).

Groupthink

Com essa definição em mãos, podemos avançar para outro questionamento: “como adquire ele a capacidade de exercer influência tão decisiva sobre a vida mental do indivíduo?”. Afinal de contas, nem todo grupo vai ser influenciado pelo groupthink.

Em vários textos, os três autores responderam essa pergunta a partir de fatores que facilitariam o surgimento desse fenômeno em uma massa de pessoas. Os destaques ficam com a valorização excessiva da união, a baixa taxa de diversidade, a presença de um líder controlador ou imparcial, a ausência de regras organizacionais claras e o aumento da pressão em torno da decisão.

Janis notou a maioria desses sintomas enquanto analisava casos reais em que grupos formados por pessoas com perfis semelhantes tomaram decisões erradas. Por conta disso, definiu que a busca pelo consenso entre mentes parecidas aumenta a deterioração do individualismo e, consequentemente, a possibilidade do groupthink influenciar os julgamentos.

Os Efeitos do Groupthink

Segundo Gustave Le Bon, uma das principais consequências desse fenômeno é fazer o heterogêneo ser sobreposto pelo homogêneo. Ou seja, a criação de uma mente coletiva transforma as pessoas em um único ser que se direciona conforme os desejos coletivos, suprimindo as peculiaridades que cercam o modo de vida, as ocupações profissionais e o caráter de cada indivíduo.

Isso acontece porque os grupos são moldados por algumas características que, na opinião do mesmo autor, ditam suas ações. Entre tantos atributos marcantes, vale sublinhar que as massas:

  • São impulsivas e irritáveis;
  • Tendem a agir inconscientemente;
  • Abominam o senso crítico e, por isso, tornam-se influenciáveis;
  • Dividem sentimentos simples e exagerados que ajudam a desconsiderar a dúvida;
  • Tem o desejo de ser obediente a uma autoridade que é dotada do poder de transformar suas ideias em crenças e, na maioria das vezes, opressora;
  • Tem dificuldade para distinguir entre o falso e o verdadeiro;
  • Costumam trazer à tona instintos primitivos que estavam adormecidos.

Evoluindo o raciocínio com base nos efeitos gerados por tais particularidades, Le Bon define que “as principais características do indivíduo que se encontra na massa são as seguintes: desaparecimento da personalidade consciente, predomínio da personalidade inconsciente, orientação dos pensamentos e dos sentimentos na mesma direção por meio da sugestão e do contágio, tendência à execução imediata das ideias sugeridas” (apud FREUD, 2017, p. 47).

Groupthink

Mas as influências não param por aí, já que os mesmos atributos abrem espaço para o sujeito desenvolver características que não possuía anteriormente. Isso acontece porque a união de pessoas semelhantes oferece uma sensação de invencibilidade e incentiva a libertação de desejos reprimidos.

Para se manter leal a essa comunidade que lhe faz bem, ele tende a sacrificar interesses pessoais em prol de objetivos coletivos. Algo que pode instigar, por exemplo, a desumanização dos perfis que não foram incluídos.

A explicação para essas atitudes surge em um trecho de Le Bon que Freud cita no livro Psicologia das massas e a análise do eu: “Além disso, pelo mero fato de pertencer a uma massa organizada, o ser humano desce vários degraus na escala da civilização. Em seu isolamento, era talvez um indivíduo culto; na massa é um bárbaro, isto é, um ser instintivo” (2017, p. 48).

Relacionando tudo isso ao contexto das decisões, Janis descreve outras características que marcam os grupos dominados pelo groupthink. Algumas são complementares ao trabalho de Le Bon, outras sugerem conceituações inéditas.

  1. Ilusão de invulnerabilidade: a massa se considera um grupo especial e, por isso, assume riscos extremos sem considerar a possibilidade de perder;
  2. Crença na moralidade inerente do grupo: acredita-se que todas as decisões do grupo são moralmente corretas, logo, os membros desconsideram questionamentos éticos;
  3. Racionalização coletiva: o grupo como um todo adere a raciocínios enganosos, ignorando qualquer alerta externo;
  4. Autocensura: refere-se ao detrimento de ideias dissonantes com o objetivo de garantir a unanimidade das decisões;
  5. Culto à unanimidade: apesar dos alertas contrários, o grupo perpetua a suposição de que todos os membros pensam igual;
  6. Visões estereotipadas de grupos opostos: os membros têm orgulho de pertencer ao grupo e, graças a isso, constroem imagens negativas dos rivais;
  7. Mindguards: um grupo dominado pelo groupthink faz o possível para proteger o coletivo de informações contrárias ao que foi decidido.

Levando em conta as limitações impostas por essas características, Janis afirma que o aumento delas conduz o grupo a decisões piores. O que não significa que os membros do grupo possam ser considerados negligentes ou irresponsáveis.

Eles são apenas vítimas do pensamento de grupo e como tais tomaram decisões equivocadas por conta da ausência de senso crítico e argumentos contrários. Em resumo, tiveram sucesso na missão de evitar os desgastes no grupo, porém não repetiram o mesmo resultado nas escolhas estratégicas.

Groupthink

A Influência em um Mundo Exclusivo

Algumas linhas de raciocínio sugerem que o groupthink deve ser usado como recurso na tomada de decisões empresariais. Algo que pode até funcionar, caso o objetivo da empresa seja atingir um grupo como se esse fosse uma pessoa só.

Para isso, seria necessário agir como um líder, criando uma comunidade que conduza seus adeptos por meio de estímulos exagerados e fanáticos. De acordo com Le Bon, quem quiser se aproveitar do pensamento de grupo “não precisa de nenhuma ponderação lógica […]; tem de pintar as imagens mais fortes, exagerar e repetir sempre a mesma coisa” (2017, p. 51).

Em compensação, o resultado dessa escolha tende a ser a rejeição por parte das pessoas que não fazem parte do grupo. Um movimento que também acontece nos grupos, uma vez que os indivíduos costumam mudar de ideia quando se desprendem da massa e refletem individualmente sobre suas escolhas.

Outro fator que se opõe ao uso do groupthink como base para estratégias é a busca crescente por experiências exclusivas e personalizadas. O consumidor atual é ativo e não se contenta apenas com o consumo, buscando também a construção de um relacionamento único com as marcas.

Em outras palavras: não deseja ser visto somente como uma célula de um grupo que toma decisões a partir de um pensamento coletivo.

A Influência em Âmbito Organizacional

Por outro lado, o efeito do groupthink nas decisões internas é bem mais claro. Afinal, uma quantidade significativa de decisões empresariais é definida por grupos de pessoas com perfis semelhantes, que buscam a coesão e a unanimidade.

Um ambiente que pode ser marcado pela inibição de vozes dissidentes, pela falta de abertura para novas ideias, pela falta de pesquisas aprofundadas ou pela tendência de fazer escolhas extremistas. 

Diante desse cenário, um dos principais desafios dos líderes de equipe ou setor é criar um ecossistema organizacional no qual tal fenômeno não aconteceria. Um local de trabalho em que dissidências são analisadas com o intuito de encontrar a melhor solução para os problemas.

Como Fazer Isso?

Para evitar o groupthink em tomadas de decisão, é necessário construir um processo que comece sem expectativas ou objetivos claros. Talvez não seja fácil fazer isso em reuniões cujo resultado precisa ser uma decisão importante, porém é essencial.

Essa abertura aumenta as chances de o grupo explorar todos os ângulos de uma situação, encorajando também que os membros desenvolvam argumentos contrários a qualquer sugestão. É justamente essa dissidência de ideias que viabiliza a análise aprofundada dos problemas que devem ser resolvidos.

Em algumas situações, vale incentivar a criação de grupos menores e o diálogo com profissionais de outros setores. Assim, as ideias do coletivo não ficarão restritas aos pontos de vista defendidos por perfis semelhantes.

Além disso, é importante que todos os membros sejam avaliadores críticos, que o líder mantenha uma atitude imparcial diante das objeções, e que os participantes tenham liberdade para mudar de opinião sem sofrer represálias. Nesse caso, abre-se espaço para reavaliações de alternativas e para o desenvolvimento de um plano de contingência.

Mas não Existe um Lado Bom no Groupthink?

Apesar dos aspectos negativos que cercam o groupthink e suas influências nas tomadas de decisão, não podemos afirmar que se trata de um fenômeno prejudicial.

Em um artigo publicado em 2017, Sérgio Vogt destaca que o pensamento coletivo amplia as chances de o resultado ser uma escolha equivocada, mas não garante isso. Nas palavras dele: “mesmo quando o groupthink existe, o que pode estar ocorrendo é o desenvolvimento de uma solução eficaz para o problema em questão. Da mesma forma que decisões “pobres” podem não ser evitadas simplesmente ao se evitar o groupthink(VOGT, 2017).

Antes de confirmar qualquer hipótese, é preciso analisar outros fatores que não possuem relação direta com o pensamento de grupo. Entre eles, estão “a falta de informações necessárias, o tempo insuficiente para a tomada de decisões e o julgamento ineficaz” das alternativas.

Em outro artigo, a psicóloga Juracy Marques cita o treinamento militar como um exemplo, visto que esse processo incentiva a quebra de conceitos individuais para criar uma unidade. Uma situação que possui tanto um lado bom, quanto um lado ruim.

“É bom quando as pessoas aceitam as normas conscientemente, mantendo equilíbrio e autocontrole emocional, sua moralidade e seu senso de justiça nas relações do grupo com o ambiente e as circunstâncias. É ruim ou desastroso quando as pessoas abdicam de seu próprio pensamento e de sua inteligência, comportando-se mecanicamente, como se fossem robôs dirigidos por controle remoto” (MARQUES, 2009).

Por isso, a melhor opção é ficar atento ao desenrolar da formação das equipes. Se o groupthink estiver gerando consequências negativas, o líder deve reconhecer os fatores que estão favorecendo essa influência para, assim, implementar mudanças no ambiente de trabalho, superá-los e voltar a tomar decisões eficientes.


Referências Bibliográficas

FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e a análise do eu. L&PM, 2017.

MARQUES, Juracy C. Pensamento de grupo: O risco de decisões equivocadas e a diversidade de perspectivas na solução de problemas. Psicologia Argumento, 2009.

VOGT, Sérgio. O groupthink como aspecto que influencia a tomada de decisão em grupo. XX SemeAd, 2017.


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